domingo, 14 de março de 2010


Meu Amiguinho Motoqueiro

 
Um domingo desses, mais precisamente dia 21 de junho próximo passado, como todos os domingos durmo na casa da minha mãe, a Bisa do Rhayan, este é o nome do meu neto.

Quando ao sair me deparo com ele pilotando sua moto, ele com 1 ano, onze meses e alguns dias, prestes a completar seu segundo aninho de vida, fiquei algum tempo observando como ele pilotava sua motoca. Já era um piloto grande e cheio de vitórias, pilotava como um homem que já dominava uma máquina.

Fiquei em frente ao portão enquanto o observava tão pequenino e já imposto a pilotar uma máquina que muitas crianças de sua idade não tinham oportunidade, ou até mesmo não tinha capacidade.

Ah!... Como esse meu netinho é inteligente, pensava eu com orgulho que parecia explodir de emoção.

Até que, distraidamente, meus olhos caíram em lágrimas olhando para aquela pequena figurinha vestido de homem em pleno domínio, um garoto aparentando dois anos de idade, de olhinhos brilhantes sob uma moto barulhenta, uma carinha risonha e marota. Suas mãozinhas manobravam alegremente, enquanto seu pezinho acelerava...

Eu ali parada admirava sua astúcia e coragem e não queria ir, queria ficar ali com ele aproveitando cada minuto da sua alegria... Mas teria que ir.

Ali está o maior motoqueiro da Vovó, uma inesperada conexão com a vida que, de fato, bateu uma vontade de também saber pilotar uma e juntos fazermos a nossa competição diante da vida na certeza de que iríamos vencer todas as corridas de um longo trajeto.

E vamos passando sobre paisagens ora amenas, ora hostís, atravessando ora bonanças, ora tempestades e manobrando o nosso rumo, enquanto a realidade aponta inexoravelmente para o nosso destino.

Pensei no dia em que um novo personagem surgiu nesta aventura, novo em folha, vindo do âmago dos mistérios da vida, inexperiente, inseguro, assustado com as turbulências repentinas, siderado pelo mundo desconhecido e colorido.

Enquanto sua minúscula mão tentava acompanhar os movimentos que eu imprimia ao manche e os seus olhos se arregalavam a cada nova curva.
E a nossa competição, a partir de então, se transformou, numa nova e surpreendente aventura, cheia de imprevistos deliciosos, cheia de risos, sorrisos e de gargalhadas; até mesmo a motoca criou novo ânimo e, infelizmente, aumentou sua velocidade...

O Rhayan, meu mais novo motoqueiro, meu mais novo amigo, chegou numa breve escala em que o tempo parou.

Parou para que eu pudesse esperá-lo e fazer-lhe uma simples homenagem.

Ele chegou como um anjo vindo de céu. Com ele bem instalado na terra, a vida recomeçou e, inquieto com a repentina mudança de ambiente, agitava sem cessar pernas e braços, como se procurasse o apoio que subitamente lhe faltara.

Fiquei olhando satisfeita para o meu neto que veio me ajudar a pilotar a vida, agora menos turbulenta e bem mais colorida por causa da sua presença.

Observei o seu dia-a-dia e me comprazi em acompanhar cada etapa de seu mundo em expansão e em reviver nele experiências passadas há muito tempo, com minha filha, quando cada habilidade adquirida era um prêmio recebido, por mim, das mãos da própria vida.

E foi assim que eu vi o seu pequeno mundo feito, no princípio, apenas do cheiro da mãe e do gosto do leite, se expandindo a cada dia.

Vieram os seus primeiros olhares, dirigidos apenas ao vulto que se agitava em sua volta, o primeiro abraço de sua mão macia em torno do meu dedo indicador, o primeiro sorriso desdentado e puro.

Depois, sentado, a me procurar com os olhos e, finalmente, o primeiro passo.

Ah!... Os primeiros passos cambaleantes em minha direção, na busca ansiosa e urgente do amigo mais forte, do abraço salvador e protetor! Eles seriam seguidos, bem mais tarde, por caminhadas de mãos dadas, um contraste cativante entre tamanhos de mãos e de corpos, entre passos determinados e passos indecisos, entre experiências velhas e novas, a perambular, feliz, pelas calçadas.

Mas vieram antes os seus primeiros balbucios, longas palestras incompreensíveis, as primeiras gargalhadas e, finalmente, a magia da palavra "vovó". Aí passou na prova e ganhou o seu brevet...

E vieram os ingênuos desafios que nem em sonhos eu teria previsto:

Vovó!

“Qué pissiá na bisa”

Ou, então, certas "tiradas", que podem indicar uma agudeza de observação que entre nós, os adultos, muitas vezes ficam perdidas no meio de interesses supostamente maiores:

- “Tia caiu, buiaco, boé vovô”.

- Vovó, coinho!... Juda vovó!...

É assim que pilotamos agora a vida juntos, várias etapas por dia, enquanto, dia a dia, ele vai aprendendo com a minha experiência de décadas e eu vou aprendendo com a sua inexperiência de dois anos.

E nos passeios de casa para a Biza, até o parquinho, passear com os cachorros, brincar com a bengala do Bizo, por entre as sombras frescas das "árvores", amigos inseparáveis, vamos com a ajuda mútua, experimentando as nossas acrobacias.

Distraído em minhas reminiscências, quase não percebi que estava atrasada para ir para a casa de minha mãe... Sem querer separar daquela figurinha... Mas tinha que ir e voltei à realidade do momento.

Fiquei olhando, por segundos, para ele, fingindo estar procurando alguma imperfeição mas vendo um "pingo-de-gente" de dois anos, em carne e osso, de olhos arregalados e cristalinos, com um sorriso maroto e auto-confiante, a pilotar sua motoca. Vovó vai ali e já volta, enquanto saia, olhava pelo retrovisor até que a imagem desapareceu... e as lágrimas rolaram pelo rosto com saudades...

E parei o meu olhar congelando por alguns minutos a imagem daquela figurinha: Meu netinho, o amiguinho da vovó...